por Marco Aurélio Guimarães Pereira (OAB/SP. 106.430) Sócio do Grupo Paulicon
Para espanto geral, no dia 17 de dezembro de 2019, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou a Resolução nº 5.862, obrigando que todo transporte rodoviário de carga comercial gere o “famigerado” Código de Operação de Transporte (CIOT). Para se ter uma ideia da dimensão desta resolução, a exigência da geração do CIOT passa para o contratante (embarcador, proprietário da carga, etc.), quando a transportadora contratada utilizar frota própria, efetivar a contratação de uma empresa credenciada e homologada pela agência para gerar a codificação.
Não satisfeita, ainda, e sob pressão de algumas entidades, no último dia 23 de janeiro, achando que resolveria o problema, a ANTT publicou a Portaria de nº 19, autorizando que os embarcadores/contratantes deleguem a emissão do CIOT para a transportadora que utilizar frota própria. Detalhe: sem especificar como proceder, como se esta situação fosse a mais normal possível.
Vale destacar que quando o código não for gerado, está prevista uma multa no valor de cinco mil reais, por caminhão/operação.
As dúvidas são inúmeras:
A quantas transportadoras vou ter que delegar?
Quais empresas geradoras de CIOT terão de se cadastrar para poder delegar?
No caso de um frete spot ou de urgência, como autorizo que uma transportadora fique responsável pela geração do CIOT?
E quando algumas empresas credenciadas não sabem como proceder?
Quem não conhece o segmento, não faz ideia do transtorno criado. Isto porque as operações nesta área são dinâmicas e com inúmeras possibilidades para se realizar a prestação de serviço. Em um mesmo transporte, por exemplo, pode-se utilizar mais de um veículo (transbordo – coleta com um veículo de grande porte e, repasse para veículos de pequeno porte para realizar a entrega). Lembrando que existe, inclusive, a necessidade de trocar o veículo, caso ele sofra alguma avaria, ou tenha alguma pane mecânica ou elétrica. Nesta situação, o contratante é obrigado a gerar outro CIOT?
Tem mais: o embarcador/contratante é obrigado a encerrar o CIOT na entrega da carga no destino, para que o veículo seja liberado para a geração de outro código e para outro embarcador/contratante. Tudo dentro do procedimento mais usual e absurdo que possa parecer. E a que custo para gerir esta situação?
Também vale ilustrar que existe uma operação chamada Milk Run, na qual a mercadoria normalmente é coletada diariamente, logo após sua produção (fornecedor do mercado automobilístico). Nela, a nota fiscal é emitida na chegada do veículo, mas o embarcador/contratante é outra empresa. Ou seja, neste caso é o fabricante do veículo e não o fornecedor que contrata o transporte. Logo, como pode ser gerado o CIOT para este caminhão para que ele possa seguir viagem, se acabou de coletar?
Esta saga foi criada por uma agência que deveria, primeiramente, conhecer o segmento, mas que cria e legisla de forma arbitrária (foram realizadas audiências públicas sem que ninguém tivesse conhecimento do resultado antes de ser publicado. Portanto, mera formalidade burocrática). E que é inconsequente, a ponto de gerar um colapso no setor, considerando que uma resolução publicada obriga que empresas de grande porte – com sistemas que exigem projeto para modificações – tenham o processo ajustado em 45 dias, para a geração de um código que, na prática, não serve para nada.
O pretexto de informar que estaria sendo fiscalizada a tabela de frete é, no mínimo, uma inverdade, pois as operações são múltiplas e não conseguem traduzir o cumprimento de algo que só existe em países comunistas ou socialistas, onde o Estado determina tabelamentos.
As entidades patronais, que ainda estão tentando tomar conhecimento da legislação estão indignadas, pois não tem o mínimo cabimento a determinação de prazo tão exíguo para uma mudança tão profunda, para não dizer incabível e abominável.
A ANTT – que não demonstrou qualquer sensibilidade para com a sociedade como um todo, como agência reguladora do segmento de transporte de carga – passa a legislar em face de indústrias, comércios, armazéns gerais etc, com total impropriedade e sem qualquer autoridade.
Para quem não sabe, a Resolução nº 5.862 foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, sendo que foi assinada e divulgada no mesmo dia, dada a extrema urgência e a relevância do que foi legislado, pois, sem a resolução haveria um colapso em todo o projeto logístico do Brasil.
Pedimos, no mínimo, respeito e consideração com todos os profissionais que trabalham no ramo do transporte: fabricantes, comerciantes, de sistemas (softhouses), de consultoria contábil e jurídica. Também, com todos os contribuintes que, efetivamente, geram receita para pagamento do salário dos integrantes desta agência que, direta e indiretamente, serão penalizados pelos custos que serão repassados.
Marco Aurélio Guimarães Pereira OAB/SP. 106.430 Sócio do Grupo Paulicon
Fonte: O Carreteiro